sábado, 22 de setembro de 2012

A INDÚSTRIA CULTURAL e seus tentáculos

 A Indústria Cultural e seus tentáculos
                                                                             (filnal do texto escrito por Prof.Dr.José Adriano Fenerick)

            Vocês já repararam o quanto é difícil passar uma tarde de domingo sem ouvir a voz ou ver a imagem do Gugu Liberato ou do Faustão? Isso é o que chamamos de massificação. Ela tem que garantir que mesmo aqueles que não gostam ou não querem ver esses programas saibam que eles existem. Pois a Indústria Cultural, por trabalhar na perspectiva do totalitarismo, quer que todos os indivíduos se identifiquem na massa, e apenas na massa (na massa amorfa! Tudo hoje virou espetáculo, já repararam? Da música à religião. Tudo tem que ser consumido pelas massas, senão não tem valor, ou querem nos fazer crer que não tenha valor). Ninguém pode ficar fora: você pode até não gostar da novela, mas se não assisti-la não terá nada a comentar com seus amigos; e mesmo que não assista, você ficará sabendo das novas aventuras da Débora Secco, quer queira ou não (é o indivíduo se plasmando no todo totalitário). Bem, dito isso, como fica o difusionismo nesse mundo globalizado e neo-liberal? Ele se transforma naquilo que os pesquisadores do assunto chamaram de populismo cultural.
            O argumento central do agente cultural ou do secretário de cultura que trabalha na perspectiva da Indústria Cultural, do populismo cultural, é o seguinte: “estou dando ao povo o que ele quer”. (Gostaria de ter essa bola de cristal só por um dia, só pra saber os números da Sena da próxima semana! Pois se se pode saber o que o “povo” – esse ente abstrato – gosta, deve ser moleza prever os números da Sena, não é verdade?!). Parece tudo tão simples e fácil, não? Entretanto é preciso ver de perto essa questão: uma coisa é dizer que o “povo” gosta do que é exibido na TV e no rádio; outra coisa, porém, é sabermos até onde ele efetivamente tem opções de escolha. Pensar desse modo, para o agente cultural que não quiser seguir a pauta dos meios de comunicação de massas, para aqueles que entendem que existe muita vida (ou toda a vida) fora da TV, faz-se necessário questionar a política cultural populista.
            É preciso lembrar que a democracia lida com as diferenças e com os conflitos e não com a unidade consensual e o sempre o mesmo. É preciso lembrar que a cultura é e precisa ser plural. Assim, ao invés do conformismo com o atual estado de coisa, o agente cultural que quiser mudar algo na cultura de sua cidade (ou de seu país), tem que se colocar na perspectiva crítica. Perguntas devem ser feitas. Por exemplo: por que todos só querem ouvir Daniel, ou Daniela Mercury, ou similares? Por que só querem ler Paulo Coelho e/ou livros de auto-ajuda? Por que só querem ver filmes americanos enlatados? Por que só querem ver peças de teatro com atores globais? Foi dada a escolha a eles? Ou isso tudo foi feito apenas e tão somente como expressão do populismo cultural, isto é, mais uma imposição da Indústria Cultural?
Aí então encontraremos caminhos para elaborar uma ação cultural e uma política cultural que defina a cultura como sendo a possibilidade do ser humano se criar a si mesmo e criar o possível. Criar o novo. Sair da imposição totalitária da massificação, isso deveria ser o norte para as ações culturais e políticas públicas que queiram realmente fazer algum tipo de intervenção conseqüente na área de cultura nesses tempos globalizados e neo-liberais. Creio ser preciso trabalhar na perspectiva de uma contra-hegemonia (hegemonia essa imposta pela Indústria Cultural), na perspectiva de uma contra-cultura (que por definição é questionadora dos padrões vigentes da cultura hegemônica). Mas mais do que isso, é preciso não incorrer nos erros e equívocos do passado, como tentei alertar ao fazer a discussão sobre o conceito de cultura. Do mesmo modo, seria relevante não pensar a cultura como Arte em separado da cultura como Vida. O artista cria, mas quem decodifica a criação é a sociedade em seu ambiente cultural próprio. Quanto melhor é esse ambiente cultural, melhor para o artista, pois ele poderá sempre criar coisas novas, mesmo que num primeiro momento isso cause um choque em todo mundo, mas isso faz parte do processo de criação. Na verdade, como alertava Raymond Williams, somos todos, ao mesmo tempo, criadores e decodificadores dos valores culturais. Não faz sentido pensar o criador em separado de seu meio cultural. E, não tenho dúvida, é isso que o Espaço Cultural Oré vem fazendo na cidade já há quase dois anos, e que agora quer dividir essa idéia com todos aqueles que quiserem contribuir.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

UMA PAUSA NO SEU DIA - "CÉU DE SANTO AMARO"

Hoje a música escolhida para "esta pausa" é uma versão de Flávio Venturini com  letra na música de Johann Sebastian Bach. Acho que vão gostar. Escolhi com a Maria Betãnia cantando. Abaixo do vídeo está a letra da música.





Céu de Santo Amaro


Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor
Nos invadiu...
Com ela veio a paz, toda beleza de sentir
Que para sempre uma estrela vai dizer
Simplesmente amo você...

Meu amor..
Vou lhe dizer
Quero você
Com a alegria de um pássaro
Em busca de outro verão
Na noite do sertão
Meu coração só quer bater por ti
Eu me coloco em tuas mãos
Para sentir toda a beleza que sonhei
Nós somos rainha e rei.

Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor nos invadiu...
Então...
Veio a certeza de amar você...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

continuação do texto (parte IV)

Parte IV ( continuação do texto escrito pelo prof.Dr. José Adriano Fererick)

Ao desqualificar a cultura das classes subalternas (a cultura popular), a elite (política, econômica, intelectual etc.) age por meio do não-reconhecimento de uma cultura diferente da dela. Assim, a elite liberal do século XIX construiu museus, teatros, bibliotecas etc. para, primeiro, arquivar e dar forma a sua própria cultura e, segundo, para que essa mesma elite, e tão somente ela, pudesse ter acesso a esses bens culturais. Do mesmo modo, essa burguesia liberal construiu sua própria memória histórica (seus “heróis”), seus próprios dias de comemorações e seus próprios dias de festas. Na fase liberal do Estado burguês o “povo” não entrava na jogada, a não ser como meras bestas de cargas, como trabalhadores. Na época da social-democracia do Estado burguês, época que chamamos de “Estado do bem-estar social”, que durou aproximadamente de fins da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1980 (variando de país para país), e após sangrentas lutas entre trabalhadores e capital, o “povo” passou a ser notado, no sentido cultural. Mas notado como? Notado como pessoas incultas, mas que “mereciam” ser educadas e ter acesso aos bens culturais (da burguesia!). E assim, instalou-se a política chamada de difusionismo. Ou seja, difundir os bens culturais de uma elite (da burguesia) para todos, como se os valores culturais dessa elite fossem universais e igualmente importantes para todos. É deste tipo de política cultural - que não reconhece as classes populares como agentes e/ou produtores culturais, mas apenas como seres incultos e passivos que têm que ser educados na e pela cultura burguesa - que saiu propostas como: concertos de Orquestras (ou similares) em bairros de periferia ou praças públicas, bibliotecas volantes, teatro na periferia, a gratuidade dos eventos, cinemas na rua etc. São as tais políticas “inclusivas”, onde o que se quer incluir é o “homem popular” na cultura burguesa, destituindo-o de sua própria cultura. Notem, embora importante e significativas, tais ações pecam por não reconhecer o “popular” como produtor de cultura, apenas o entende como “consumidor”, quase sempre passivo (o que não é nunca verdade). Não se trata de “diálogos” entre culturas diferentes (o que seria bom), mas sim de imposição de um padrão cultural de uma classe social para outra classe social. A cooptação é notória. O 1º. De Maio é o exemplo clássico. O Dia do Trabalhador, nascido e criado nas lutas operárias contra o capital, transformou-se no Dia do Trabalho, um dia de show na praça, um dia de lazer descomprometido. Ao invés de se cultuar a memória do trabalhador, cultua-se o oposto, cultua-se o trabalho (fonte da dominação de classe exercida pela burguesia). Cooptado, o 1º. De Maio perde seu sentido de cultura operária, de cultura popular, e passa a integrar as festividades da burguesia com seus showszinhos na praça e tudo o mais.
            Sobre isso ainda é importante dizer o seguinte: o que até os anos 1960/70 era apenas um crime de furto, transforma-se num verdadeiro estupro seguido de morte e com requintes de crueldade, após a Indústria Cultural chegar, na década de 1980, a seu formato mais ameaçador, com o advento da Globalização e do chamado neo-liberalismo. A política do difusionismo, a partir daí, ganha novos e cruéis contornos quando aliada à Indústria Cultural. O que estou chamando aqui de Indústria Cultural é um conceito cunhado nos anos de 1940 pelo filósofo alemão T. W. Adorno. Esse conceito procura dar conta da chamada cultura de massa, ou da cultura produzida e difundida pelos meios de comunicação de massa (TV, rádio, jornais, gravadoras etc.). O que de imediato é importante observar no que se refere à Indústria Cultural é que seus produtos (culturais!) não representam a cultura popular como pensam alguns. Existe uma diferença enorme entre a cultura produzida pelo povo e para o povo, e uma cultura pensada e planejada para apenas ser consumida em larga escala pelo povo, ou por quem quer que seja. Ela também não representa a cultura burguesa (as Belas Artes), pois a Indústria Cultural opera pela diluição dos valores culturais tanto da burguesia como da cultura popular. Ela elimina o conteúdo crítico da cultura burguesa, ao mesmo tempo em que elimina a espontaneidade da cultura popular. No limite, ela elimina a criatividade, pois trabalha com a idéia de “gosto médio”, produzindo produtos cada vez mais padronizados, cada vez mais redundantes (quem já ouviu um disco de pagode, ou de dupla sertaneja, por exemplo, já ouviu todos! Quem já leu um livro de auto-ajuda, já leu todos, e assim por diante). Ela ainda promete dar satisfação para aqueles que consomem seus produtos, mas no ato do consumo ela nega essa satisfação, essa felicidade prometida, para que o “consumidor” volte a comprar mais e mais produtos, mesmo eles (os produtos culturais) sendo sempre os mesmos (isto é, padronizados), pois a felicidade prometida está no ato mesmo do consumo, que requer mais consumo logo em seguida e assim sucessivamente. Com isso ela garante a permanência de sua clientela cativa. Na verdade, ela se pretende Totalitária, pois não quer nos deixar escolha. Mesmo os mais desavisados ou os mais resistentes, consomem seus produtos. Ela também coisifica a cultura. Transforma todo bem cultural ou todo valor cultural em moeda de troca, pois o que lhe interessa é apenas o lucro. E nesse sentido, por embotar a criatividade, por deslocar todos os valores culturais existentes, por padronizar a cultura, por não deixar nenhuma escolha para as pessoas (ou quase nenhuma, pois acredito na resistência), a Indústria Cultural é o que poderíamos chamar de a maior ameaça à democracia ocidental, pois como eu disse, ela trabalha na perspectiva do totalitarismo. Esse é o monstro. Vejamos seus tentáculos.

continuação (parte III)

Parte III

Pensar a cultura como sendo sinônimo da alta cultura burguesa (Belas Artes, conhecimento científico etc.), e apenas isso, também leva a um outro equívoco: desqualificar tudo aquilo que não faz parte desse universo cultural. Ou seja, tudo aquilo que não for a “mais sincera expressão da alma” (Belas Artes), o que não for o mais “avançado refinamento dos costumes” (educação burguesa), ou o que não for regido pela razão científica (conhecimento científico), é obscurantismo, é foco de violência, é arte sem valor, é atraso etc. Chegamos aqui, então, a um dos maiores problemas contido nessa noção de cultura: ela desqualifica e renega a cultura popular, ou a cultura das classes subalternas (para usar essa expressão do filósofo italiano Antonio Gramsci). Na ótica do cidadão ilustrado, a cultura das classes populares não é cultura, e, portanto, é comum ela nem entrar na pauta de discussão de uma ação cultural ou política cultural. Mais que isso, geralmente ela é objeto de perseguição e preconceito. Todos conhecem a história do samba, não? Originário das camadas pobres e populares do Rio de Janeiro ele foi por muito tempo combatido pelo Estado, perseguido pela polícia, pois ele era sinônimo de coisa atrasada (coisa de negros!), ele era visto como sinônimo de violência e assim por diante.
Ao desqualificar a cultura das classes subalternas (a cultura popular), a elite (política, econômica, intelectual etc.) age por meio do não-reconhecimento de uma cultura diferente da dela. Assim, a elite liberal do século XIX construiu museus, teatros, bibliotecas etc. para, primeiro, arquivar e dar forma a sua própria cultura e, segundo, para que essa mesma elite, e tão somente ela, pudesse ter acesso a esses bens culturais. Do mesmo modo, essa burguesia liberal construiu sua própria memória histórica (seus “heróis”), seus próprios dias de comemorações e seus próprios dias de festas. Na fase liberal do Estado burguês o “povo” não entrava na jogada, a não ser como meras bestas de cargas, como trabalhadores. Na época da social-democracia do Estado burguês, época que chamamos de “Estado do bem-estar social”, que durou aproximadamente de fins da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1980 (variando de país para país), e após sangrentas lutas entre trabalhadores e capital, o “povo” passou a ser notado, no sentido cultural. Mas notado como? Notado como pessoas incultas, mas que “mereciam” ser educadas e ter acesso aos bens culturais (da burguesia!). E assim, instalou-se a política chamada de difusionismo. Ou seja, difundir os bens culturais de uma elite (da burguesia) para todos, como se os valores culturais dessa elite fossem universais e igualmente importantes para todos. É deste tipo de política cultural - que não reconhece as classes populares como agentes e/ou produtores culturais, mas apenas como seres incultos e passivos que têm que ser educados na e pela cultura burguesa - que saiu propostas como: concertos de Orquestras (ou similares) em bairros de periferia ou praças públicas, bibliotecas volantes, teatro na periferia, a gratuidade dos eventos, cinemas na rua etc. São as tais políticas “inclusivas”, onde o que se quer incluir é o “homem popular” na cultura burguesa, destituindo-o de sua própria cultura. Notem, embora importante e significativas, tais ações pecam por não reconhecer o “popular” como produtor de cultura, apenas o entende como “consumidor”, quase sempre passivo (o que não é nunca verdade). Não se trata de “diálogos” entre culturas diferentes (o que seria bom), mas sim de imposição de um padrão cultural de uma classe social para outra classe social. A cooptação é notória. O 1º. De Maio é o exemplo clássico. O Dia do Trabalhador, nascido e criado nas lutas operárias contra o capital, transformou-se no Dia do Trabalho, um dia de show na praça, um dia de lazer descomprometido. Ao invés de se cultuar a memória do trabalhador, cultua-se o oposto, cultua-se o trabalho (fonte da dominação de classe exercida pela burguesia). Cooptado, o 1º. De Maio perde seu sentido de cultura operária, de cultura popular, e passa a integrar as festividades da burguesia com seus showszinhos na praça e tudo o mais.
  O samba – (assim como outras manifestações culturais de origem popular) - teve que conquistar seu lugar na sociedade, a duras penas. E, claro, nesse trajeto, houve muita cooptação por parte do Estado e dos interesses econômicos de gravadoras, rádios, TVs e coisas afins. Mas o exemplo ainda continua válido. Assim, temos que a cultura popular - (enquanto não for enquadrada pelo gosto burguês, como foi o caso do samba, que de marginal virou símbolo da nacionalidade do país) - não entra na pauta, mas os “populares” sim, esses entram. E de que forma? Através do difusionismo. (continuação na parte IV)