quinta-feira, 20 de setembro de 2012

continuação do texto (parte IV)

Parte IV ( continuação do texto escrito pelo prof.Dr. José Adriano Fererick)

Ao desqualificar a cultura das classes subalternas (a cultura popular), a elite (política, econômica, intelectual etc.) age por meio do não-reconhecimento de uma cultura diferente da dela. Assim, a elite liberal do século XIX construiu museus, teatros, bibliotecas etc. para, primeiro, arquivar e dar forma a sua própria cultura e, segundo, para que essa mesma elite, e tão somente ela, pudesse ter acesso a esses bens culturais. Do mesmo modo, essa burguesia liberal construiu sua própria memória histórica (seus “heróis”), seus próprios dias de comemorações e seus próprios dias de festas. Na fase liberal do Estado burguês o “povo” não entrava na jogada, a não ser como meras bestas de cargas, como trabalhadores. Na época da social-democracia do Estado burguês, época que chamamos de “Estado do bem-estar social”, que durou aproximadamente de fins da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1980 (variando de país para país), e após sangrentas lutas entre trabalhadores e capital, o “povo” passou a ser notado, no sentido cultural. Mas notado como? Notado como pessoas incultas, mas que “mereciam” ser educadas e ter acesso aos bens culturais (da burguesia!). E assim, instalou-se a política chamada de difusionismo. Ou seja, difundir os bens culturais de uma elite (da burguesia) para todos, como se os valores culturais dessa elite fossem universais e igualmente importantes para todos. É deste tipo de política cultural - que não reconhece as classes populares como agentes e/ou produtores culturais, mas apenas como seres incultos e passivos que têm que ser educados na e pela cultura burguesa - que saiu propostas como: concertos de Orquestras (ou similares) em bairros de periferia ou praças públicas, bibliotecas volantes, teatro na periferia, a gratuidade dos eventos, cinemas na rua etc. São as tais políticas “inclusivas”, onde o que se quer incluir é o “homem popular” na cultura burguesa, destituindo-o de sua própria cultura. Notem, embora importante e significativas, tais ações pecam por não reconhecer o “popular” como produtor de cultura, apenas o entende como “consumidor”, quase sempre passivo (o que não é nunca verdade). Não se trata de “diálogos” entre culturas diferentes (o que seria bom), mas sim de imposição de um padrão cultural de uma classe social para outra classe social. A cooptação é notória. O 1º. De Maio é o exemplo clássico. O Dia do Trabalhador, nascido e criado nas lutas operárias contra o capital, transformou-se no Dia do Trabalho, um dia de show na praça, um dia de lazer descomprometido. Ao invés de se cultuar a memória do trabalhador, cultua-se o oposto, cultua-se o trabalho (fonte da dominação de classe exercida pela burguesia). Cooptado, o 1º. De Maio perde seu sentido de cultura operária, de cultura popular, e passa a integrar as festividades da burguesia com seus showszinhos na praça e tudo o mais.
            Sobre isso ainda é importante dizer o seguinte: o que até os anos 1960/70 era apenas um crime de furto, transforma-se num verdadeiro estupro seguido de morte e com requintes de crueldade, após a Indústria Cultural chegar, na década de 1980, a seu formato mais ameaçador, com o advento da Globalização e do chamado neo-liberalismo. A política do difusionismo, a partir daí, ganha novos e cruéis contornos quando aliada à Indústria Cultural. O que estou chamando aqui de Indústria Cultural é um conceito cunhado nos anos de 1940 pelo filósofo alemão T. W. Adorno. Esse conceito procura dar conta da chamada cultura de massa, ou da cultura produzida e difundida pelos meios de comunicação de massa (TV, rádio, jornais, gravadoras etc.). O que de imediato é importante observar no que se refere à Indústria Cultural é que seus produtos (culturais!) não representam a cultura popular como pensam alguns. Existe uma diferença enorme entre a cultura produzida pelo povo e para o povo, e uma cultura pensada e planejada para apenas ser consumida em larga escala pelo povo, ou por quem quer que seja. Ela também não representa a cultura burguesa (as Belas Artes), pois a Indústria Cultural opera pela diluição dos valores culturais tanto da burguesia como da cultura popular. Ela elimina o conteúdo crítico da cultura burguesa, ao mesmo tempo em que elimina a espontaneidade da cultura popular. No limite, ela elimina a criatividade, pois trabalha com a idéia de “gosto médio”, produzindo produtos cada vez mais padronizados, cada vez mais redundantes (quem já ouviu um disco de pagode, ou de dupla sertaneja, por exemplo, já ouviu todos! Quem já leu um livro de auto-ajuda, já leu todos, e assim por diante). Ela ainda promete dar satisfação para aqueles que consomem seus produtos, mas no ato do consumo ela nega essa satisfação, essa felicidade prometida, para que o “consumidor” volte a comprar mais e mais produtos, mesmo eles (os produtos culturais) sendo sempre os mesmos (isto é, padronizados), pois a felicidade prometida está no ato mesmo do consumo, que requer mais consumo logo em seguida e assim sucessivamente. Com isso ela garante a permanência de sua clientela cativa. Na verdade, ela se pretende Totalitária, pois não quer nos deixar escolha. Mesmo os mais desavisados ou os mais resistentes, consomem seus produtos. Ela também coisifica a cultura. Transforma todo bem cultural ou todo valor cultural em moeda de troca, pois o que lhe interessa é apenas o lucro. E nesse sentido, por embotar a criatividade, por deslocar todos os valores culturais existentes, por padronizar a cultura, por não deixar nenhuma escolha para as pessoas (ou quase nenhuma, pois acredito na resistência), a Indústria Cultural é o que poderíamos chamar de a maior ameaça à democracia ocidental, pois como eu disse, ela trabalha na perspectiva do totalitarismo. Esse é o monstro. Vejamos seus tentáculos.

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